Justiça
Rotativo de Criciúma é alvo de ação judicial
Ação do Ministério Público, por meio da 11ª Promotoria de Justiça de Criciúma aponta expansão irregular de vagas de estacionamento
“As ruas aqui do bairro perderam vida, eu sou morador daqui há 25 anos e hoje sinto o bairro muito mais perigoso, vazio, e esse era um bairro que tinha vida, que se via gente circulando e hoje está assim, tudo vazio”, relata Jânio Carlos Fontanella, enquanto caminha pela Rua Arthur Souza, no bairro Comerciário, em Criciúma.
A via foi uma das incluídas na ampliação do sistema de estacionamento rotativo pago promovida pela Administração Municipal de Criciúma, situação apontada por causar inúmeros transtornos para moradores e comerciantes. “Algo que na verdade era para ser uma solução para os comerciantes, por exemplo, mas não é o caso. Nós não somos contra o rotativo, pelo contrário, sabemos da importância e sabemos que algumas ruas do nosso bairro precisam, mas existem ruas, como essa e outras próximas onde foi feita a ampliação, em que é visível que não há necessidade do rotativo. Eu tenho o meu negócio aqui há 30 anos e eu nunca tive problemas com vagas”, completou Fontanella. O morador relata ainda que perdeu duas funcionárias após a implantação do sistema, pois elas não conseguiram arcar com os custos de estacionamento diário durante todo o mês.
Jânio, assim como outros moradores e representantes da associação local, procurou o Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) para relatar a situação. “A lei determina que o estacionamento rotativo deve ser implantado em ruas com características predominantemente comerciais ou de serviços, o que não corresponde à realidade de muitas vias do bairro Comerciário. Por isso, e por outros motivos, procuramos o MP desde o início. O Comerciário tem uma vocação muito mais residencial. É uma área próxima ao centro, mas majoritariamente residencial”, afirmou o vice-presidente da Associação de Moradores, Sergio Biava Júnior.
A ampliação tem gerado diversos impactos, incluindo preocupações com segurança pública. “Temos muitos prédios antigos por aqui, sem garagem, os moradores deixavam os carros em frente aos apartamentos e agora o que vemos é uma ausência de critérios na implementação do rotativo e, como resultado, vagas vazias. Isso afetou o funcionamento dos poucos comércios da região e também a segurança, pois os moradores evitam deixar seus veículos nas ruas à noite para não serem cobrados na manhã seguinte. Com isso, as ruas ficam mais desertas”, acrescenta Júnior.
Diante do cenário, o MPSC, por meio da 11ª Promotoria de Justiça da Comarca de Criciúma, ingressou com uma Ação Civil Pública com pedido de tutela de urgência contra o Município de Criciúma e a empresa Gerestar Operações de Estacionamento Rotativo (responsável pela gestão das vagas). A medida judicial busca a correção de irregularidades na expansão do sistema de estacionamento rotativo pago na cidade e o ressarcimento de valores não repassados pela concessionária aos cofres públicos desde dezembro de 2024.
Segundo apurado pelo MPSC em inquérito civil, a ampliação das áreas de cobrança do estacionamento rotativo foi realizada sem a apresentação de um parecer técnico elaborado pela autoridade municipal de trânsito, exigência essa que é prevista expressamente na Lei Municipal nº 5.660/2010. Além disso, a empresa Gerestar, responsável pela gestão das vagas, teria deixado de cumprir obrigações contratuais, como o pagamento mensal da outorga devida ao Município, acumulando uma dívida superior a R$ 1 milhão.
“No curso das investigações percebemos que estavam sendo descumpridos alguns requisitos da lei e por conta disso o Ministério Público ajuizou a ação nesta segunda-feira visando regularizar a situação. É importante que fique claro que não somos contra o estacionamento rotativo na cidade, entendemos que é sim um serviço relevante, entretanto, o Ministério Público pede que seja cumprida a legislação, com a realização do parecer técnico para se entender em que vias há realmente a necessidade do sistema”, explica o Promotor de Justiça Marcus Vinícius de Faria Ribeiro, autor da ação.
Falta de parecer técnico compromete legalidade do serviço
De acordo com o MPSC, a legislação municipal estabelece que a implantação, modificação ou ampliação de áreas destinadas ao estacionamento rotativo deve obrigatoriamente ser precedida de uma análise técnica do órgão de trânsito. Esse procedimento tem por objetivo assegurar que a cobrança ocorra apenas em locais de grande circulação e relevância comercial, promovendo a rotatividade de veículos e a democratização do uso do espaço urbano.
Contudo, conforme apurado pela Promotoria de Justiça no inquérito civil instaurado a partir de manifestações da comunidade, especialmente da Associação de Moradores do Bairro Comerciário, a administração municipal expandiu as áreas de cobrança ignorando essa exigência legal. A apuração evidenciou que não há registros de estudos técnicos, nem mesmo justificativas formais que embasam a ampliação promovida.
A ausência de fundamentação técnica, segundo o Ministério Público, não apenas compromete a legalidade do serviço, mas também desvia sua finalidade pública original, que seria a de melhorar a mobilidade urbana, em favor de interesses arrecadatórios e comerciais. “
Tentativas de solução extrajudicial foram ignoradas
Antes de recorrer ao Judiciário, o MPSC tentou resolver a situação por meio de medidas extrajudiciais. Em março deste ano, expediu uma recomendação para que o Município suspendesse a cobrança nas novas áreas até que houvesse uma audiência pública com a participação popular para tratar da ampliação. A recomendação não foi acatada. Posteriormente, o Ministério Público também propôs um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), igualmente recusado pela administração municipal.
Sem alternativa, a Promotoria de Justiça ajuizou a ação civil pública para garantir a legalidade do serviço e proteger o interesse coletivo da população.
Concessionária deixou de repassar valores devidos em contrato
Outro ponto destacado na ação é o descumprimento contratual por parte da empresa Gerestar. Desde dezembro de 2024, a concessionária teria deixado de repassar ao Município os valores mensais que deveria pagar pelo direito de explorar o sistema de estacionamento rotativo. De acordo com o contrato, esse valor é de R$ 62 por vaga. Como há 2.772 vagas em operação, o repasse mensal deveria ser de R$ 171.864. Com seis meses de atraso, a dívida acumulada ultrapassa R$ 1 milhão.
A justificativa apresentada pela empresa foi um pedido de reequilíbrio econômico-financeiro feito ao Município. No entanto, segundo o Promotor de Justiça, essa solicitação não justifica a suspensão unilateral dos pagamentos, que constitui grave violação contratual e lesão direta ao erário público. Conforme exposto pelo MP na ação, o contrato firmado entre o Município e a empresa prevê mecanismos específicos para a resolução de controvérsias sobre reajustes ou revisão de tarifas, sem permitir o descumprimento de obrigações enquanto o processo de reequilíbrio não é concluído.
Pedido de liminar busca suspensão imediata das cobranças
Na ação, o Ministério Público requer a concessão de tutela de urgência para suspender imediatamente a cobrança nas áreas onde não houve parecer técnico. O objetivo é evitar que a população continue sendo lesada pela cobrança indevida em locais que sequer têm justificativa técnica para integrar o sistema rotativo pago.
Além disso, a Promotoria requer que a Justiça obrigue o Município a apresentar, no prazo de até 60 dias úteis, um parecer técnico elaborado pela autoridade de trânsito para todas as áreas atualmente abrangidas pelo sistema, bem como para qualquer futura expansão.
Também é requerido que a empresa Gerestar seja condenada a quitar a dívida de mais de R$ 1 milhão referente ao não pagamento dos valores mensais previstos em contrato desde dezembro de 2024, bem como apresentar as garantias contratuais devidas. Caso isso não ocorra, o Município deve ser instado a tomar providências para a rescisão contratual.
“Não nos restou alternativa a não ser o ajuizamento da ação, diante das negativas de resoluções extrajudiciais, mas nada impede que, no curso dessa ação, o Município nos procure e faça um acordo regularizando o serviço e cumprindo a legislação”, finalizou o Promotor.