A crescente busca por terapia de reposição de testosterona entre mulheres, estimulada por pressão estética, promessas de vitalidade e grande volume de conteúdos nas redes sociais, tem acendido um alerta entre entidades médicas brasileiras. Apesar da popularização do tema, não há formulações aprovadas especificamente para uso feminino no país, e especialistas reforçam que a única indicação reconhecida é para tratar o transtorno do desejo sexual hipoativo (TDSH) em mulheres na pós-menopausa.
O alerta foi reforçado em maio de 2025, quando a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) e o Departamento de Cardiologia da Mulher da Sociedade Brasileira de Cardiologia divulgaram um comunicado conjunto. Segundo as entidades, o uso crescente do hormônio fora dessa indicação tem sido motivado por expectativas irreais e desinformação.
O que diz a medicina sobre o uso de testosterona
Estudos apontam que doses fisiológicas de testosterona podem ser eficazes no tratamento do TDSH. Uma revisão publicada em 2019 no The Lancet Diabetes & Endocrinology, que analisou 46 ensaios clínicos com mais de 8 mil mulheres, demonstrou melhora no desejo, excitação e satisfação sexual sem aumento de efeitos adversos graves no curto prazo.
Essas evidências embasam o Consenso Global sobre Terapia de Testosterona em Mulheres, publicado também em 2019, que reforça:
- indicação exclusiva para mulheres na pós-menopausa com TDSH confirmado;
- necessidade de acompanhamento contínuo;
- uso de formulações com controle preciso de dose.
Fora desse contexto, não há comprovação científica de benefícios estéticos, cognitivos, de ganho de massa magra, emagrecimento ou melhora de humor.
Os riscos do uso inadequado
Apesar da popularização da testosterona como suposto “hormônio da vitalidade”, o uso sem indicação médica pode provocar efeitos adversos significativos. Entre os principais riscos estão:
- acne, queda de cabelo e aumento de pelos;
- alterações de voz e aumento do clitóris, muitas vezes irreversíveis;
- resistência à insulina e piora do perfil lipídico;
- impacto cardiovascular em longo prazo;
- alterações de humor, como ansiedade e impulsividade;
- danos hepáticos;
- irregularidades menstruais e comprometimento da fertilidade.
Esses riscos ganham gravidade diante da tendência crescente de autodiagnóstico baseada em conteúdos das redes sociais, que frequentemente apresentam a testosterona como solução para cansaço, envelhecimento e perda de libido.
Por que medir testosterona em mulheres é tão difícil
Além da falta de evidência para usos não recomendados, há um desafio adicional: medir o hormônio no organismo feminino. As concentrações são muito baixas, perto do limite de detecção dos exames tradicionais, o que dificulta a precisão.
A maioria dos laboratórios utiliza imunoensaio, técnica menos sensível nessas faixas hormonais. A espectrometria de massa é o padrão-ouro, mas ainda pouco disponível. A ausência de valores de referência amplos e padronizados agrava a dificuldade.
Por esse motivo, especialistas recomendam que a interpretação dos exames seja feita com cautela, sempre associada à avaliação clínica completa.
A medicalização do envelhecimento feminino
O interesse crescente por terapias hormonais está ligado não apenas a queixas reais do climatério, mas também a expectativas sociais sobre juventude e desempenho. Especialistas afirmam que sinais naturais do envelhecimento acabam sendo medicalizados, enquanto fatores emocionais, conjugais e comportamentais são negligenciados.
Sintomas comuns da menopausa — como alterações do sono, humor, fadiga e redução da libido — muitas vezes se retroalimentam e precisam ser analisados de forma integral. Tratamentos multidisciplinares, incluindo terapia cognitivo-comportamental, ajustes no estilo de vida e atenção a doenças crônicas, podem ser tão ou mais eficazes que hormônios.
O caminho seguro
Médicos reiteram que a reposição de testosterona deve ser reservada a casos selecionados, sempre com critérios claros e acompanhamento rigoroso. Para todas as demais situações, há alternativas eficazes e com perfil de segurança mais conhecido.
A orientação unânime é clara: informação de qualidade, avaliação médica individualizada e consciência dos limites da terapia hormonal são essenciais. O envelhecimento não deve ser tratado como falha, mas como fase natural que pode ser vivida com saúde e qualidade.
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