Meio Ambiente
A disparidade entre desenvolvimento econômico e investimentos em saneamento básico em SC
A falta de investimentos em saneamento básico impacta não apenas nas questões de saúde, mas também nas ambientais e na economia
Por
Joca Baggio
Ao mesmo tempo em que Santa Catarina ostenta elevados índices de desenvolvimento econômico, menor índice de pobreza entre os estados da federação, taxas de desemprego mais baixas do Brasil e bons índices de desenvolvimento humano, os investimentos em saneamento básico estão muito aquém do ideal. Dos cinco estados que encabeçam ranking elaborado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), com base em dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) referentes a 2021, o Paraná, quinto colocado, apresenta um índice de desempenho de 90,6%.
Em SC, apenas 29,1% da população é atendida por rede de esgoto, ou seja, de todo o esgoto gerado, somente 34,8% é tratado, segundo números da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA). Nenhum município catarinense aparece no ranking entre os 20 com melhor desempenho em saneamento básico no Brasil e Joinville, cidade com maior população do estado, está entre os 20 piores. Realidade contraditória, considerando que Santa Catarina tem o sexto maior Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil e Joinville é a cidade mais industrializada e tem o segundo maior PIB de Santa Catarina.
Para se ter uma ideia da realidade catarinense, levantamento feito pelo Instituto Trata Brasil aponta que o estado despejou na natureza 737,5 milhões de litros de esgoto por dia em 2021, o equivalente a 295 piscinas olímpicas. Fernando Marcos Silva, CEO e sócio-fundador da PWTech, startup referência no acesso à água potável, credita a falta de investimentos em saneamento básico à disparidade econômica entre estados. Realidade que não se aplica a SC.
Considerando esses dados e estudos, constata-se claramente que existe um abismo entre a realidade econômica e a realidade sanitária, podendo-se deduzir que historicamente há uma grave defasagem em investimentos nesse setor em Santa Catarina. Exemplo claro dessa defasagem é o município de Balneário Camboriú, Meca da construção civil e paraíso das elites econômicas, que apresenta altas taxas de poluição na praia central.
Falta de saneamento impacta economia e aumenta as desigualdades sociais
Artigo publicado pela Universidade de São Paulo (USP) no ano passado, mostra que a cada real investido em saneamento, o setor público economiza R$ 4 em medicina curativa. No entanto, o estudo aponta que o número é relativo, porque esse investimento muda conforme o bairro da cidade. “Se esse mesmo real for investido na periferia, com certeza a economia será bem maior, cerca de R$ 6 a R$ 8, na medicina curativa”, diz a publicação.
Gestores dos municípios do Litoral Norte catarinense alegam não ter esses índices. No entanto, surtos de doenças transmitidas por praias contaminadas são recorrentes, principalmente nas temporadas de verão, com a flutuação das populações urbanas.
O médico e professor Alessandro da Silva Scholze, especialista em Medicina Familiar e Comunitária, Saúde Pública e mestre em Saúde e Gestão do Trabalho, diz que as doenças diarreicas transmitidas pela água, mais comumente por vírus, têm maior incidência e são as mais importantes para a saúde pública. “Principalmente por atingirem muitas pessoas, ainda que não sejam fatais na maioria das vezes, mas podendo levar à morte caso a reidratação seja inadequada”, diz o professor. Crianças e idosos são as faixas etárias mais vulneráveis à desidratação, que traz o risco de morte nas doenças diarreicas transmitidas pela água não tratada.
Ainda, segundo Scholze, uma vez que a situação é persistente, a falta de acesso a água com tratamento adequado traz mais risco de mortalidade e prejuízo no crescimento e desenvolvimento das crianças. “Deve-se lembrar que as pessoas com menor acesso a água tratada, são provavelmente aquelas mais vulneráveis socialmente em razão de baixa renda. Isso contribui também para manter as desigualdades sociais, pois pessoas com uma simples diarreia perderão mais dias de escola e trabalho e, consequentemente, as más condições de vida na pobreza, manterão essas pessoas em condições de maior vulnerabilidade a doenças crônicas não transmissíveis a longo prazo.”
O estudo Saneamento Básico no Brasil e em Santa Catarina, do Instituto Trata Brasil, mostra que a partir da melhora das condições gerais do saneamento básico, a economia com saúde no Estado será de R$ 5,18 bilhões entre 2021 e 2040, ou R$ 250 milhões anuais. O levantamento diz ainda que em 2022, Santa Catarina registrou 5,7 mil internações e 91 óbitos decorrentes de doenças associadas à veiculação hídrica. Outro dado importante é que o tratamento da água e do esgoto pode reduzir em 64,3% a incidência de doenças ginecológicas.
A poluição do Rio Camboriú e os impactos nos municípios ribeirinhos
Nos municípios de Camboriú e Balneário Camboriú os principais problemas relacionados à saúde básica da população estão associados à poluição do Rio Camboriú. A bacia hidrográfica tem sua nascente no interior do município homônimo, a extensão de 33,22 quilômetros e morre antes mesmo de chegar no mar, pela elevada carga de esgoto que recebe nas áreas urbanas de Camboriú e nas localidades ribeirinhas em Balneário Camboriú.
Inclusive, o curso d’água apresenta pontos de anoxia, ou seja, com zero oxigênio. Isso é causado pela grande quantidade de matéria orgânica que é depositada no seu leito. E os impactos dessa poluição acabam sendo maiores para Balneário Camboriú.
O professor doutor Paulo Ricardo Schwingel, especialista em Gestão de Bacias Hidrográficas e Recursos Hídricos e presidente do Comitê do Rio Camboriú, considera o tratamento do esgoto um investimento, não apenas de proteção ao meio ambiente a à qualidade de vida, mas um elemento chave para a despoluição do rio e para reduzir gastos dos municípios com saúde pública. “Atualmente a cidade de Camboriú tem tratamento zero de esgoto e o processo de despoluição do rio deve iniciar neste ano, o que vejo como uma grande conquista”, afirma Schwingel.
Ele diz que os primeiros resultados da implantação do sistema de coleta e tratamento de esgoto pela concessionária Águas de Camboriú, com investimentos de R$ 300 milhões, devem começar a aparecer no período de três a cinco anos e uma situação de cobertura próxima dos 100% deve ocorrer em aproximadamente 10 anos. “No entanto, precisamos ter em mente que quando falamos em tratamento de esgoto, isso não inclui apenas as áreas urbanas, mas também as áreas rurais”, pontua o professor.
Entretanto, Schwingel destaca que, apesar de Balneário Camboriú coletar seu esgoto quase que na sua totalidade, o município não trata 100% do que é coletado, o que acaba contribuindo também para a poluição do Rio Camboriú, o que é comprovado pelas baixas taxas de balneabilidade na praia Central. “Hoje está havendo melhorias na estação de tratamento de esgoto da cidade, mas há cerca de dois anos, chegamos a uma situação de colapso total no sistema de tratamento. E atualmente a estação ainda não opera com a eficiência que deveria ter”, lembra.
Esgotamento sanitário deficiente, água de excelente qualidade
O mais contraditório de tudo isso é que a água consumida em Camboriú e Balneário Camboriú tem excelente qualidade e é captada no mesmo rio. No entanto, a montante das áreas urbanas, responsáveis pela poluição. As áreas mais poluídas do rio, segundo Schwingel, ficam em Balneário Camboriú. “A água é coletada pela Empresa Municipal de Águas e Saneamento de Balneário Camboriú (Emasa), é tratada e parte dela é vendida para a concessionária Águas de Camboriú, responsável pela distribuição”, explica.
A engenheira ambiental e sanitarista e diretora executiva da Águas de Camboriú,Maraisa Mendonça, diz que em 2015, quando a concessionária assumiu o sistema de distribuição de água em Camboriú, cerca de 98% da população do perímetro urbano era atendida com água tratada e o município tinha uma população de 63 mil habitantes. “Hoje, atende 100% da população moradora do perímetro urbano, sendo que a cidade ultrapassa 110 mil habitantes”, garante.
Outro dado, que segundo Maraisa é relevante, é o índice de perda de água no sistema de distribuição. A perda da água tratada era de 40% em 2015 e hoje esse índice caiu para 17%, devido aos investimentos feitos na melhoria da rede de distribuição, monitoramento e tecnologia. A executiva destaca que ainda estão previstos investimentos que devem ultrapassar os R$ 190 milhões para o sistema de distribuição de água até o final do contrato, com vigência de 35 anos, que trarão impactos ainda mais positivos.
“A água que sai da estação de tratamento é monitorada pela Águas de Camboriú ao longo da rede de distribuição, garantindo que ela chegará às torneiras do usuário sem contaminação e com as condições próprias para consumo. Isso influencia diretamente na qualidade de vida da população, reduzindo drasticamente o índice de doenças vinculadas à questão hídrica e o absenteísmo escolar”, reforça Maraisa. Ela exemplifica com o caso da Várzea do Ranchinho, que foi o último bairro atendido com água tratada. “As crianças atendidas pela escola municipal do bairro passaram a usar a água tratada diariamente, ajudando a blindar problemas de saúde.”
Concessionária vai investir R$ 300 milhões em coleta e tratamento de esgoto
O contrato firmado entre a concessionária Águas de Camboriú e a prefeitura local para o início das obras do sistema de coleta e tratamento de esgoto no município prevê investimentos de R$ 300 milhões até o ano de 2033, com parte das operações começando em 2026. Desde março, quando o contrato foi assinado para a construção do sistema de esgoto, a concessionária começou a cumprir as etapas previstas no termo aditivo que possibilitou essa transferência de obrigação, incluindo levantamento e estudos prévios.
Foi realizada uma conferência de todos os investimentos em conjunto com o poder executivo e, no atual momento, a concessionária está analisando o solo de terrenos para entender qual é a melhor área para receber a Estação de Tratamento de Esgoto (ETE). Com isso definido e o projeto alinhado, serão solicitadas as licenças ambientais prévias para início das obras,
Segundo a presidente das concessionárias da Aegea Regional Santa Catarina, Reginalva Mureb, informou que o novo sistema contará com uma ETE com capacidade para processar 210 litros segundo a partir de tecnologia que não gera nem barulho e nem cheiro. Contará ainda com 500 quilômetros de rede, 31 estações elevatórias e a empresa deve assumir as 21 ETEs já existentes que operam em loteamentos e condomínios de Camboriú.
“A realidade do município passará por uma grande transformação econômica e social com o esgotamento sanitário na cidade. Os investimentos nas redes de coleta e tratamento de esgoto trarão mais qualidade de vida e melhores condições sócio econômicas, principalmente para os moradores da periferia de Camboriú”, destaca o prefeito Elcio Rogerio Kuhnen.
Ele menciona ainda um estudo da Organização Mundial de Saúde (OMS), que comprova que a cada dólar investido em saneamento básico, se economiza US$ 4,3 em saúde global. O mesmo estudo aponta que investimentos em saneamento básico impactam nos ganhos com a atividade turística, na maior produtividade do trabalhador e na valorização imobiliária.
Élcio diz que a partir do momento que o Rio Camboriú passe a receber a água residual da estação de tratamento de esgoto ele será ressuscitado, retornando à vida com seu ecossistema natural, proporcionando mais qualidade de vida à população também servindo de hidrovia para modal de transporte e turismo. “A nossa economia será transformada”, arremata.