Cidadania
Dia da Consciência Negra: ainda poucos motivos para comemorar
Ativistas anti racistas dizem que ainda falta muito para se comemorar no dia da Consciência Negra no Sul do Brasil
Por
Joca Baggio
O Brasil é o país com a maior população negra fora do continente africano. De acordo com o IBGE, são mais de 110 milhões de pessoas negras e muito pouco se sabe sobre a história dessa gente e a contribuição dessa população à sociedade brasileira. Na busca por minimizar um pouco o processo de “invisibilização” do afrodescendente, que é histórico no Brasil, foi instituído o Dia Nacional da Consciência Negra, que é celebrado no dia 20 de novembro. Mas para muitos a data comemorativa é vista como desnecessária, principalmente no Sul do Brasil, região considerada por grande parte da população da região como um “Brasil à parte”.
A ativista antirracista Grazielle Gleise Santana, destaca a importancia da data pela necessidade de marcar a importância dessas discussões acerca da propagação da cultura afro, para combater o racismo e para celebrar a cultura afro-brasileira. No entanto, Grazielle diz que novembro acaba sendo também um mês onde os ativistas da causa exercitam a paciência. “Muitas vezes a gente fala e as pessoas dizem que é mimimi, mas essa é a única forma que temos para propagar a cultura e também para fortalecer essa ferramenta social e educacional. Precisamos educar a nossa população para mudar essa ideia, para ser antirracista, porque o racismo acaba sendo estrutural e essa mudança precisa ser nas áreas social, educacional e política.”
Grazielle diz que esse é o primeiro ano que a região comemora com feriado o Dia da Consciência Negra e destaca a importância de Zumbi dos Palmares nesse contexto. “A data faz referência à morte de Zumbi dos Palmares, um negro pernambucano que nasceu livre e foi escravizado aos seis anos de idade, segundo os registros históricos. Então assim, o governo brasileiro, dentro da lei 12.519, oficializou o dia de Zumbi e da Consciência Negra”, diz. Grazielle é titular da Câmara Setorial de Cultura Afro-brasileira de Itajaí, membro da Associação dos Naturais e Amigos de Angola e do Conselho da Comunidade Negra de Itajaí, presidente da Sociedade Cultural Sebastião Lucas e também conselheira tutelar.
Vanuza Azevedo, coordenadora do Baque Mulher Itajaí-Balneário Camboriú, destaca a importância da data, mas acrescenta que muita coisa ainda precisa ser feita contra o racismo estrutural que se tem no Brasil, principalmente no Sul. “Eu ainda vejo mais dificuldades do que avanços”, lamenta Vanusa. Inclusive, ela conta que na manhã de hoje (180, fez uma palestra de conscientização em uma escola onde só tinha uma professora negra, mas muitos alunos negros, inclusive haitianos.
“Quando a gente chegou na escola para falar sobre o Baque-Mulher, que é um movimento de empoderamento para mulheres negras criado e regido por uma mulher negra periférica, as crianças pretas se identificaram, mas ao mesmo tempo ficaram surpresas dela, uma mulher negra estar palestrando. “Santa Catarina continua sendo o pior estado para o negro morar. O Sul realmente é difícil, são estados muito racistas e ainda continuo vendo que a militância tem que resistir a conveniências e restrições.”
Posições antagônicas
O titular da Secretaria de Promoção da Cidadania de Itajaí, Paulo Manoel Vicente, destaca que o dia 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, já era feriado em alguns estados e neste ano é a primeira vez que será feriado em todo o Brasil. “Esta data homenageia Zumbi dos Palmares que foi um grande líder da luta por liberdade dos negros escravizados.
A importância deste feriado, marca a forte necessidade de reflexão para todas as pessoas, principalmente as não negras sobre como foi devastador o sofrimento no período da escravidão no Brasil. Precisamos refletir e combater para superar o racismo também na nossa cidade.”
O secretário de Desenvolvimento Econômico de Itajaí, Ricardo dos Santos, diz que como qualquer feriado, a data terá um impacto misto. “De um lado, ela vai representar um desafio para a dinâmica da nossa economia local de trabalho e para os setores, principalmente para os setores que dependem de uma maior movimentação diária. Do outro lado, pode ser uma oportunidade, e é o que nós acreditamos, que será algo positivo pela movimentação turística na cidade, tendo em vista as praias, restaurantes, pontos turísticos.”
Nesse contexto, Ricardo acredita que a economia pode resultar em um saldo positivo para esses setores.J á o presidente do CDL de Itajaí, Mario da Silva, “o Dia da Consciência Negra é um feriado previsto em lei, que nos convida à reflexão sobre igualdade, diversidade e respeito às diferenças”, pontua.
Ele reforça que, para os lojistas de Itajaí, assim como em outros feriados, as lojas podem funcionar normalmente, desde que sejam respeitadas as normativas legais. “É fundamental que os empresários tenham realizado os acordos necessários com o sindicato que representa o comércio, garantindo o cumprimento das obrigações trabalhistas”, ressalta.
Já a presidente da Associação Empresarial de Balneário Camboriú e Camboriú (Acibalc), Kátia Tonioti, vê o Dia da Consciência Negra como, além de uma oportunidade de reflexão sobre a igualdade racial e valorização da diversidade, uma data que pode trazer impactos positivos para a cidade. “Nós somos um dos destinos turísticos mais procurados do Brasil, diante disso, Balneário tem potencial para atrair visitantes de diversas regiões nesse feriado prolongado, que é um feriado novo. E nesse primeiro ano vamos sentir qual é esse impacto.”
Kátia destaca que setores como a hotelaria, a gastronomia, o comércio, o lazer devam ser os mais beneficiados. “Balneário tem buscado fortalecer o seu papel como destino inclusivo, acolhedor e datas como essa são muito importantes. Então, a combinação de conscientização e turismo, pode gerar não só ganhos econômicos, mas também vai impulsionar e o posicionamento de Balneário Camboriú como um exemplo de convivência a respeito às diversidades culturais. Como destino turístico, obviamente, o impacto econômico é positivo, pois atrai mais pessoas para a cidade e a gente vê que os setores impactados têm muito a ganhar com isso, arremata Kátia.
Fábio Inthurn, presidente do Sindicato da Construção Civil (Sinduscon) da Foz do Rio Itajaí, o mês de novembro passa a ter três feriados, dois deles em um curto espaço de tempo: 15 e 20 de novembro. “Um novo feriado nacional no Brasil representa mais uma parada em um país que já enfrenta desafios cotidianos de produtividade. Na construção civil, a data representa aumento de custos em um setor que já paga um preço alto pela enorme carga tributária que sobrecarrega o setor”. Procurada, a Associação Empresarial de Itajaí não se manifestou.