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Senna: série da Netflix é um mergulho no raso, mas funciona nas pistas

Paulo Monteiro
Senna série é um mergulho no raso, mas que funciona nas pistas
Foto: reprodução / Netflix

Paulo Monteiro

Senna: série da Netflix é um mergulho no raso, mas funciona nas pistas

Produção alterna entre erros de cinebiografias e acertos nas corridas

Eu tenho um pé, não dizer dois, com cinebiografias. Confesso. A missão de contar a história real de uma pessoa em um recorte de algumas horas quase sempre envolve as mesmas armadilhas difíceis a serem superadas. Quando a figura retratada possui o status de ídolo, a dificuldade aumenta. Em quais feridas tocar sem que o heroísmo caia na vilania? Vale a pena ignorar eventos e comportamentos supostamente negativos para sustentar a imagem do herói? Senna, nova série da Netflix, sofre com essas e outras questões para funcionar em um único espaço: nas pistas.

Maior investimento da história da plataforma de streaming em um audiovisual brasileiro, Senna alcançou o top 10 da plataforma no Brasil e no mundo, ainda que em posições distintas, e conquistou uma indicação ao Critics Choice Awards na categoria de Melhor Série Internacional. A visibilidade era esperada, dada a relevância de Ayrton para a história da F1 e a sua trágica e precoce morte em 1994, durante uma corrida na Itália. Mas a construção é higiênica demais para uma figura tão idolatrada.

Senna é uma espécie de mergulho no raso. A série parte da infância de Ayrton nas corridas de kart, perpassa por sua ascensão à F1 e se encerra no ano de sua morte. São três décadas, resumidas em seis episódios, com personagens que possuem a profundidade de uma lagoa que está prestes a secar. As pessoas no entorno do piloto brasileiro recebem a mesma atenção que você pode dar a um objeto às margens de uma pista enquanto trafega a quase 300km/h.

Lilian de Vasconcelos, ex-esposa de Senna, interpretada por Alice Wegmann, é uma escada para que o piloto brasileiro possa mostrar a sua determinação ao abrir mão do próprio casamento para permanecer na Inglaterra e ter a chance de chegar à Fórmula 1. Laura Harrington, personagem fictícia interpretada por Kaya Scodelario, é uma muleta expositiva utilizada para explicar detalhes de como funcionam os bastidores da F1 e a opinião da mídia sobre Ayrton. Nenhuma delas possui personalidade suficiente para se sustentar por conta própria, sendo, mais uma vez, itens no caminho do campo de visão de um carro de corrida. Alain Prost,Nikki Lauda e tantas outras figuras acabam sendo apenas notas de rodapé.

Senna série é um mergulho no raso, mas que funciona nas pistas 1

Senna série é um mergulho no raso, mas que funciona nas pistas 1

Ayrton é retratado como aquela pessoa que, em uma entrevista de emprego, diz que o seu maior defeito é ser perfeccionista demais. Não há uma vírgula ou porém na história do personagem. E está, aí, um dos maiores erros de toda cinebiografia: ser idealista demais com relação ao ídolo. Senna está restrito à virtude de vencer e à preocupação com os demais pilotos. Fatores que não deixam de ser verdade, mas não refletem um todo. O ser-humano é complexo demais para estar resumido ao “bom” ou ao “mal”, e a série escolhe abraçar e se limitar ao bom.

Visualmente, a obra não possui alma ou autoria. Soa na maioria das vezes como um comercial – de margarina, nos momentos teoricamente dramáticos que ocorrem fora das corridas. Não existe inspiração, em nenhum plano. Mas, mesmo com tudo isso, é curioso como ela funciona quando está nas pistas. São as corridas e conquistas de Ayrton que sustentam o todo da série. E, no final das contas, é esse o cenário que faz com que as pessoas se lembrem de Senna.

Ayrton Senna se tornou ídolo pelo que fez nas pistas. Pelas vitórias em condições adversas, como na chuva de Mônaco na temporada de estreia ou na prova do Brasil, quando fez a última volta inteira com o câmbio travado na sexta marcha. E são justamente nesses momentos onde a série funciona. Quando a dinâmica das ultrapassagens e adversidades dão corpo à imagem de herói do piloto brasileiro.

São os feitos reais que sustentam os momentos de fascínio que a série possui – sobretudo para aqueles que, como eu, não conheciam as vitórias ou derrotas do piloto brasileiro. É quando a série se permite ser mais criativa e ritmada, contrastando os sons da respiração, dos motores e dos batimentos cardíacos.

Mas, se a curiosidade de saber mais sobre a vida de um herói sustenta a atenção, a ausência de camadas no retrato do mesmo faz ruir aos poucos o interesse. Se Gabriel Leonetransmite o carisma de Ayrton Senna, recebe muito pouco para poder dar profundidade ao ídolo.

Nota: 2,5 / 5

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Senna está disponível na Netflix. Confira o trailer:

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