Paulo Monteiro
Nosferatu: perdido em devoção, Eggers encontra pouco do seu diferencial
Filme de terror já está em cartaz nos cinemas
É relativamente fácil perceber quando um diretor tem um carinho “diferente” para com a sua obra. Quando um trabalho não é apenas um trabalho, ou um sonho concretizado a partir de um projeto pessoal, mas sim uma espécie de reverência a algo que vem do passado. Um compromisso com alguma influência. Pois bem, em não mais do que 10 minutos de Nosferatu (2024), Robert Eggers consegue nos provar em tela essa admiração especial pelo clássico do expressionismo alemão. O que sucede a abertura inicial, no entanto, é a amostra de um cineasta perdido em sua própria devoção.
Em entrevista ao New York Times, o diretor contou que teve o seu primeiro contato com a imagem do vampiro enigmático de Murnau enquanto criança. Anos depois, já adolescente, dirigiu uma peça de teatro em preto e branco inspirada no filme. Isso mesmo, em preto e branco: com os atores pintados de forma monocromática. Décadas depois, já entrando na casa dos 40, o cineasta decidiu fazer o seu próprio Nosferatu – se mostrando tão devoto à obra original quanto na adolescência.
Ambientado na Alemanha do Século 19, o filme acompanha o despertar de um vampiro antigo da Transilvânia que está predestinado a se apossar de uma jovem. Para isso, ele passa a atormentá-la em seus sonhos e faz da vida de todos os que estão ao seu redor uma verdadeira tragédia gótica.
De tão devoto que é ao clássico alemão, Eggers encontra pouco do seu diferencial em Nosferatu. O diretor parece preso em um dilema entre homenagem e originalidade e transita entre uma emulação da obra de Murnau e algumas investidas originais. Essa dinâmica acaba por deixar uma área cinza no meio do filme, que nunca consegue ser tão bom quanto os seus minutos iniciais, que são completamente deslumbrantes.
O maior acerto de Nosferatu sem sombra de dúvidas está no olhar do diretor para o expressionismo alemão do longa de 1922. É onde Eggers consegue provar toda a sua criatividade, trabalhando luzes, contornos e a própria escuridão para apresentar os seus personagens e construir o suspense em torno de Conde Orlok. O cineasta utiliza de transições criativas que viajam pelos pesadelos de seus protagonistas. O preto contrasta com o branco, se une ao cinza e faz das formas em destaque aterrorizantes.
Acontece que, a partir do momento em que deixa o castelo de Orlok, o filme nunca consegue voltar a ser tão interessante – nem visualmente, tampouco em sua história. A jornada dos personagens não é atrativa o suficiente para segurar o longa, que tem como seu melhor ambiente os sonhos febris dos protagonistas – que, infelizmente, estão sendo constantemente explicados. Nosferatu não é escondido o suficiente para que uma simples menção ao seu nome em meio ao escuro lhe cause pavor. Ao mesmo tempo, não aparece tanto em tela a ponto de cruzar uma linha do medo por conta da presença constante. Fica em um meio termo, indo e vindo por meio de jumpscares mal utilizados e pouco condizentes com a sutileza que Eggers consagrou em seus filmes anteriores, mesmo nos momentos mais caóticos.
Lily Rose Depp (Ellen) tem os seus altos e baixos. Brilha no terror corporal, pena em transmitir dor e medo por meio de seus diálogos. Nicholas Hoult (Thomas) funciona no papel de marido assustado, mas poucas vezes consegue assumir o protagonismo. Aaron Taylor-Johnson (Friedrich) é irritante de tão vazio e, mesmo em seu momento de maior drama, não consegue despertar um pingo de empatia. Talvez o maior acerto seja Bill Skarsgard (Orlok), que está escondido e irreconhecível debaixo de tanta maquiagem, mas memorável na assustadora voz e sotaque do Conde. E Willem Dafoe (Von Franz), que serve sempre bem na condição de cientista maluco.
Nosferatu é o filme mais apático de Robert Eggers, mesmo sendo um projeto que conversa tanto com a sua admiração pelo cinema de terror. O cineasta não consegue transpor o desafio da homenagem com a própria digital – pelo menos, não inteiramente. No entanto, prova mais uma vez que é visualmente muito criativo e que reconhece a força da imagem na hora de contar uma história. Só não sabe balancear isso tão bem como fez em suas obras anteriores. Se talvez fosse mudo, como o filme original, se encaixasse mais na sutileza do diretor.
Nota: 3 / 5
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Nosferatuestá disponível nos cinemas de Criciúma e região. Confira o trailer: