A Vizinha Perfeita: o perigo das “karens” no país da propriedade privada

Documentário sucesso da Netflix conta caso real por meio de câmeras policiais

Paulo Monteiro

Publicado em: 27 de outubro de 2025

6 min.
a vizinha perfeita perigo das karens no pais da propriedade privada

Foto: Reprodução / Netflix

O documentário A Vizinha Perfeita, um dos grandes destaques do Festival de Sundance deste ano, chegou no último dia 17 na Netflix e, desde então, não deixou uma vez sequer o ranking global do top 10 filmes mais assistidos da plataforma de streaming. A obra conta a história real de como uma série de reclamações de invasão de território culminaram no homicídio de Ajike Owens, uma mulher negra de 35 anos, ao mesmo tempo em que expõe as muitas fragilidades das leis norte-americanas.

Contado quase que inteiramente por meio de câmeras policiais, o filme acompanha a escalada das discussões entre toda uma vizinhança da cidade de Ocala (Flórida) e Susan Lorincz – a mulher culpada por homicídio culposo no caso em questão. As imagens, gravadas ao longo de praticamente um ano por meio de dispositivos posicionados nos peitos dos agentes, detalham as recorrentes vezes em que a autora do crime aciona a Polícia pela mesma situação: a alegação de que crianças estariam supostamente “invadindo” o seu terreno.

Acontece que Susan morava em um imóvel alugado e o terreno alvo das discussões, posicionado ao lado de sua casa, e onde brincavam as crianças da vizinhança, pertencia na verdade a uma outra pessoa a qual já teria autorizado os menores a ali brincarem. As múltiplas reclamações, no entanto, acabam criando um ambiente de conflito no bairro que explode em um crime não tão improvável.

Foto: Reprodução / Netflix

A Vizinha Perfeita se vale de uma tragédia recente e simbólica nos Estados Unidos para expor o perigo das “karens” em um país cujas leis tendem a valorizar muito mais a propriedade privada do que necessariamente a vida humana – sobretudo de pessoas pretas. “Karen” é uma expressão que se tornou bastante popular nos EUA nos últimos anos e que é usada para se referir a mulheres brancas de classe média que costumam se sentir superiores a outras pessoas e que geralmente possuem comportamentos racistas e/ou de preconceito contra imigrantes – normalmente materializados por meio de chiliques.

O documentário se propõe a discutir como políticas ancoradas fielmente ao liberalismo transformaram a propriedade privada em um conceito quase que religioso nos Estados Unidos a fim de “ser defendido a qualquer custo”. São nos poros dessa ideia, no entanto, que residem o uso de preceitos como o de legítima defesa como escudo legal para o cometimento de crimes como o de homicídio. Alegações estas, inclusive, que costumam enfrentar uma disparidade racial considerável na hora de definir os seus culpados.

Ao optar por contar essa história através principalmente de câmeras policiais, a diretora Geeta Gandbhir consegue imprimir uma falsa sensação de imparcialidade com relação ao que o público sabe sobre aquele caso – uma vez que nós vemos o que a Polícia também viu. O que em um primeiro momento pode soar quase como uma covardia da cineasta, de relegar toda a interpretação do caso ao agente público, acaba se mostrando perspicaz por não apenas ser emocionalmente intenso como, também, crítico na forma como o Estado por vezes ignora os sinais de perigo por conta da cor de pele da denunciante. 

Nota: 4 / 5

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A Vizinha Perfeita está disponível na Netflix. Confira o trailer: 



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