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As lições de um Oscar histórico para o Brasil

Cultura
As lições de um Oscar histórico para o Brasil
Foto: Phill McCarten / The Academy

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As lições de um Oscar histórico para o Brasil

Cerimônia que premiou Ainda Estou Aqui refletiu avanço de corpo internacional de votantes

O dia 2 de março de 2025 ficará marcado para sempre na história do cinema brasileiro. Depois de mais de uma dezena de indicações, iniciadas lá na década de 40, o Brasil finalmente voltou com uma estatueta para casa. Ainda Estou Aqui, filme dirigido por Walter Salles e estrelado por Fernanda Torres e Selton Mello, se consagrou como Melhor Filme Internacional – categoria na qual o país já havia concorrido quatro vezes até então. Mas, afinal de contas, quais são as lições desse Oscar, brasileiramente falando, histórico?

Para quem vem de fora, o Oscar é muito sobre alcance

Nunca antes na história do cinema nacional se viu uma campanha de divulgação tão ampla e abrangente como a de Ainda Estou Aqui. O filme fez a sua estreia internacional em setembro do ano passado, no Festival de Veneza, vencendo a categoria de Melhor Roteiro e recebendo críticas extremamente positivas. Estreou comercialmente no Brasil em novembro e passou a lotar salas de cinema por meses afinco. Marcou presença em festivais mundo afora e colocou Fernanda Torres em alguns dos principais programas de TV dos Estados Unidos – país onde foi exibido em mais de 700 salas.

O fato é que, diferentemente da imensa maioria dos bons e excelentes filmes brasileiros (que temos, sim, aos montes), Ainda Estou Aqui teve alcance – nacional e internacional. O longa foi o escolhido da Sony Pictures para a temporada de premiações, em um valor de campanha tido como “incalculável”. A vitória no Oscar, uma premiação estadunidense e com votantes de diversas partes do mundo, é resultado de um processo caro e incomum na história do nosso país de poder efetivamente fazer com que a obra fosse vista.

Para quem vem de fora dos Estados Unidos, uma chance de vitória no Oscar depende, muito, do alcance. Com exceção de alguns países europeus, como França e Reino Unido, que já possuem uma tradição de décadas na premiação, quase todos os demais países lutam para que seus filmes possam chegar ao máximo de pessoas e votantes possíveis ao redor do globo, em paralelo aos festivais e premiações, para somente então poder sonhar com as verdadeiras chances de um prêmio da Academia. Existem muitas barreiras, como idioma e dinheiro – e, nesse caso, Ainda Estou Aqui não teve problemas com dinheiro.

Felizmente, um Oscar cada vez mais internacional

Desde (quase) sempre se falou sobre o Oscar ser uma premiação pouco plural entre os seus indicados e vencedores. Essa noção começou a mudar, ainda que lentamente, a partir do momento em que a Academia promoveu uma abertura para um corpo de votantes mais internacional. O prêmio de 2025 é, de certa forma, um reflexo disso.

O vencedor de Melhor Curta Animado foi uma produção iraniana: In The Shadow of The Cypress; o vencedor de Melhor Animação foi Flow, uma produção da Letônia que concorreu contra candidatos de grandes estúdios estadunidense; o vencedor de Melhor Documentário foi Sem Chão, uma produção israelense e palestina; e Ainda Estou Aqui, um longa não europeu, levou para casa o Oscar de Melhor Filme Internacional – estando indicado também para a categoria principal da premiação.

A cobrança de que a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas precisa se diversificar para ser mais plural em seus indicados e vencedores aos poucos vai surtindo efeito. Se por muito tempo o Oscar se viu quase que inteiramente restrito a produções estadunidenses, hoje o seu corpo de votantes o força a ter um olhar mais internacional (e, consequentemente, democrático) para os indicados e vencedores.

Apreensão política retratada nos indicados e vencedores

A lista de indicados e vencedores do Oscar de 2025 também envolve uma amostra de grande apreensão política ao redor do mundo. Temas como imigração e regimes ditatoriais mais uma vez pautaram algumas das boas obras em competição.

Um exemplo é o curta-metragem live-action A Lien, que fala sobre o medo da deportação que atinge até mesmo quem já constituiu família nos Estados Unidos – tema que tem sido recorrente desde a posse de Donald Trump. O avanço do Exército de Israel em terras palestinas da Cisjordânia, muito antes do atentado feito pelo grupo terrorista Hamas em 2024, é outra pauta política e atual que está retratada no Oscar por meio do vitorioso documentário Sem Chão.

Na ida aos filmes internacionais, temos a animação Flow se segurando em uma pauta extremamente ambientalista do medo de perdemos o nosso lar por conta das mudanças climáticas. Já A Semente do Fruto Sagrado, filme cujo diretor iraniano precisou filmar de maneira clandestina por conta do regime iraniano, aborda o medo e a opressão das mulheres em meio a manifestações pela busca de direitos ocorridas em 2022.

Dos filmes do Oscar que refletem uma grande apreensão política e social, o mais visto foi justamente Ainda Estou Aqui. O longa, que aborda o drama da família Paiva durante a Ditadura Militar, é lançado não muito tempo depois dos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023, quando a Praça dos Três Poderes foi invadida por pessoas que pediram pela volta do regime militar. Enquanto o mundo fala sobre regimes autoritários, Walter Salles conta a história real de um país que já sofreu com tal.

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