Cultura
Coringa: Delírio a Dois é vítima da própria coragem e covardia
Filme está disponível nos cinemas de Santa Catarina e do Brasil
A classificação de uma obra enquanto corajosa ou covarde obviamente depende de um ponto de vista. Ir por um caminho completamente diferente do esperado pode fazer com que você seja visto como alguém corajoso. No entanto, iniciar esse trajeto sem ser capaz de chegar até o final pode lhe render a taxação de um covarde. Coringa: Delírio a Dois (2024) é resultado e prisioneiro dessa dicotomia, sendo vítima da própria coragem e covardia.
Quando confirmado pelo diretor Todd Phillips em meados de 2022, o filme levantou reações distintas quase que imediatamente. Coringa (2019) foi considerado um sucesso de público e de crítica ao propor uma abordagem realista e violenta para um dos mais populares vilões da história dos quadrinhos. Enquanto Marvel e DC lutavam para construir um universo que pudesse conectar suas obras, o longa optou por funcionar sozinho e distante dessas conexões. Uma decisão corajosa, dado o contexto de uma indústria convicta em explorar à exaustão as suas marcas mais famosas.
Dito isso, abrir mão de uma história única para a existência de uma sequência soou como um ato covarde de um filme que se tornou refém do seu próprio sucesso, impedido de existir por si só. Acontece que o anúncio de Folia à Dois surgiu acompanhado de mais uma escolha corajosa: o longa seria um musical, algo até então nunca antes feito com filmes de quadrinhos e inimaginável para o momento da indústria onde ele está inserido.
O filme se passa após os eventos do longa de 2019 e acompanha Arthur Fleck agora internado em uma prisão psiquiátrica. Nesse ambiente ele conhece Harleen Quinzel, por quem se apaixona e com quem irá explorar a própria existência e loucura. Tudo isso enquanto é julgado pela Justiça e por admiradores do lado de fora de Arkham.
Coringa: Delírio a Dois é um filme corajoso, mas com toques de covardia. A coragem reside nos momentos em que o filme ousa refletir sobre a imagem criada por seu personagem na obra anterior e como ela foi distorcida a partir de um movimento que idolatra determinadas figuras apenas por estas não se encaixarem na sociedade – fechando os olhos para as violências e absurdos que são cometidos pelo caminho. Ao mesmo tempo, o filme busca desconstruir a loucura de Arthur Fleck a partir de um mergulho na sua própria insanidade, e faz isso também por meio de críticas ao sistema prisional e judiciário no qual ele está submetido.
O longa de Todd Phillips é uma resposta à distorção da obra de 2019 e utiliza os seus dois principais cenários, a prisão e o tribunal, para refletir sobre a posição na qual ele está preso: a de sequência. O diretor faz isso com coragem, mas demonstra covardia justamente naquilo que deveria ser o ponto mais corajoso de sua obra: o musical.
Por estar o tempo inteiro de mãos dadas com o pseudo realismo que lhe consagrou no filme anterior, Coringa: Delírio a Doisnão se permite abraçar por completo a estética de um musical. O gênero é utilizado como ferramenta para que possamos mergulhar na mente de Arthur Fleck mas, com exceção de uma ou duas cenas, funciona de forma medíocre e visualmente pouco criativa, estando sempre abaixo da loucura que o personagem transparece. Phillips não quer abrir mão do tom dramático e pé no chão da obra de 2019 e, em função disso, se mostra covarde em abordar a musicalidade da obra.
Se por um lado a interação entre Arthur e Harleen é uma das coisas mais interessantes do filme, junto da dinâmica de seu personagem frente à prisão e ao tribunal, por outro ficou claro que a escolha de Lady Gaga como dupla de Joaquin Phoenix foi puramente musical. A personagem é um tanto quanto vazia e carece de espaço e interpretação para que alcance maior profundidade e alcance influência, tanto na sua história quanto na vida do personagem que dá nome ao longa.
Phoenix está mais uma vez excelente, com uma atuação de corpo e um trabalho de expressão incômodo, na medida ideal para o seu personagem. Gaga, no entanto, existe enquanto voz a ser utilizada nas cenas musicais, sendo um apoio interessante ao Coringa, pelos sentimentos despertados neste, mas fraco por si só.
Com exceção da covardia de suas cenas musicais, Coringa: Delírio a Dois se apresenta como um filme corajoso e pouco compromissado com o anterior. O júri e a prisão funcionam bem como gêneros paralelos ao drama e melhor como palco da desconstrução e compreensão do personagem, que chega ao fim lidando com as consequências de suas ações e da posição de ídolo que passou a ocupar.
Nota: 4 / 5
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Coringa: Delírio a Dois está disponível nos cinemas. Confira o trailer: