Chegou na última quinta-feira (30) aos cinemas do Brasil o novo filme de Marco Dutra – diretor conhecido, principalmente, pela dupla parceria com Juliana Rojas na direção de Trabalhar Cansa (2011) e As Boas Maneiras (2017). Estrelado por Selton Mello e Marjorie Estiano, Enterre Seus Mortos é um terror que carrega um pouco do que há de melhor nos dois trabalhos mais conhecidos do cineasta, tanto no que diz respeito à plasticidade quanto ao misticismo.
O filme acompanha Edgar Wilson, um homem com um passado misterioso que trabalha recolhendo animais mortos em Abalurdes – uma pequena cidade rural não tão distante de uma capital. Ele vê a sua vida degringolar a partir do momento em que uma religião que oferece a salvação para um suposto fim do mundo passa a recrutar todas as pessoas do seu entorno, incluindo a sua namorada.
Um dos pontos positivos de Enterre Seus Mortos está na construção de um mundo que, ao mesmo tempo em que se relaciona com uma jornada quase bíblica, conversa com um Brasil marcado por um moralismo pouco racional e por religiões que pregam o medo para então vender uma suposta salvação. A maneira que o diretor encontra em relacionar esses dois universos é por meio de um terror que, assim como muitas das decisões que estamos acostumados a ver em nosso mundo real, também não são carregadas de muita racionalidade.
Foto: ReproduçãoMarco Dutra faz com que a pequena Abalurdes funcione como uma espécie de última parada antes do apocalipse: um cenário rural ocupado por animais mortos, longas estradas vazias e casas simples que abrigam pessoas estranhas. O trabalho do diretor em nos situar naquele espaço é tão bem executado que é quase como se fosse possível enxergar os muros que separam aquela cidade do resto do mundo.
E é justamente essa sensação de isolamento e separação que torna o filme tão fascinante. Estamos, no fim das contas, assistindo ao purgatório particular de Edgar Wilson: um homem que é confrontado pelos seus pecados passados ao estar fadado a viver em uma cidade onde a morte faz parte do dia-a-dia e a felicidade é interrompida por uma promessa de remissão que ele se nega em aceitar, diante um fim do mundo no qual ele não acredita.
Dutra, que já tinha se mostrado muito competente em criar atmosferas igualmente estranhas e aterrorizantes em filmes anteriores, encontra aqui o seu trabalho mais bem sucedido nesse sentido. As imagens que marcam a jornada de Edgar são desconexas, plásticas e por vezes pouco racionais, mas extremamente efetivas na idealização desse universo que muito se parece com um pesadelo febril.
Toda essa estranheza só funciona, da maneira como funciona, graças à assustadora atuação de Selton Mello – cujo personagem, Edgar Wilson, é capaz de viver essa antessala do inferno sem expressar uma emoção sequer. O ator é tão impositivo e hipnótico que, por vezes, parece que estamos vendo uma espécie de Michael Myers em tela. Detalhes que fazem com que Enterre Seus Mortos seja um dos melhores filmes de 2025.
Nota: 4 / 5
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Enterre Seus Mortos está disponível nos cinemas. Confira o trailer: