Quando o rio respira e a cidade se cura

Em Tubarão, o avanço do saneamento básico transforma ruas, reduz doenças e devolve vida às águas: um caminho silencioso, mas essencial, rumo à dignidade.

Leticia Matos

Publicado em: 20 de setembro de 2025

7 min.
Quando o rio respira e a cidade se cura. - Foto: Raul/Persona Filmes

Quando o rio respira e a cidade se cura. - Foto: Raul/Persona Filmes

Tubarão é uma das poucas cidades catarinenses que optaram por municipalizar os serviços de água e esgoto. Desde a criação da AGR-Tubarão (Agência Reguladora de Saneamento de Tubarão), em 2008, o município assumiu localmente o desafio de gerir o saneamento, em vez de delegar a uma companhia estadual. Essa escolha trouxe responsabilidades adicionais: fiscalizar a qualidade da água, expandir a rede de esgoto e acompanhar metas ambiciosas de universalização da Tubarão Saneamento, que assumiu o sistema em 2012, com a concessão de 30 anos.

O processo foi lento, mas já mostra resultados. Em 2025, Tubarão atingiu 53% de cobertura em esgotamento sanitário e avança rumo à meta de 94,68% até 2042. A transformação pode ser medida em números, mas também no cotidiano de moradores como Nilzo Machado Flores, 59 anos, que por 14 anos conviveu com o esgoto correndo por baixo das lajotas, na Rua Manoel Emerick, bairro Oficinas. “Era horrível. A gente se sentia esquecido”, relembra. Hoje, com a ligação de esgoto instalada, Nilzo abre a porta sem medo: “Agora tenho prazer em conversar com vizinhos, receber minha família. Parece que a vida recomeçou”.

Rua Manoel Emerick/2023. – Foto: Divulgação/Tubarão Saneamento

Implantar saneamento em Tubarão não foi simples. O solo instável, o lençol freático elevado e a travessia de rodovia e ferrovia criaram obstáculos técnicos. Além disso, a cultura local muitas vezes priorizou pavimentação sem rede de esgoto, o que atrasou investimentos.

Mesmo assim, os avanços são expressivos. Mais da metade da cidade já conta com coleta e tratamento, sob fiscalização da AGR-Tubarão, agência criada por lei para assegurar qualidade e equilíbrio tarifário.

Menos remédios, mais saúde

Os reflexos são claros na saúde pública. Em 2024, entre janeiro e agosto, Tubarão registrou 4.398 casos de diarreia e gastroenterite infecciosa presumível. Um ano depois, no mesmo período, esse número caiu para 4.027, redução de quase 10%.

A Vigilância Epidemiológica relaciona a queda ao saneamento. “O esgoto tratado é a vacina invisível. Ele previne surtos, reduz internações e salva vidas todos os dias”, resume Geórgia de Oliveira, coordenadora da Vigilância Epidemiológica da Fundação Municipal de Saúde de Tubarão.

Menos filas em hospitais, menos afastamentos do trabalho, mais crianças nas escolas: os canos enterrados produzem resultados que se espalham por toda a cidade.

O cheiro da dignidade

Mais que estatísticas, o saneamento devolve cidadania. “Antes, quando chovia, a fossa transbordava e o esgoto voltava para dentro do prédio. Agora, sinto que minha rua tem valor, que minha vida tem valor”, conta Nilzo. O que antes era vergonha virou orgulho.

Quando o rio respira

O impacto também chega às águas. O Rio da Madre, afluente do Tubarão, sofria com esgoto doméstico, drenagem agrícola e perda da mata ciliar. O resultado era excesso de nutrientes, macrófitas em abundância e baixos níveis de oxigênio.

Com a Estação de Tratamento de Esgoto Figueira, os primeiros sinais de recuperação surgiram: queda nos níveis de nitrogênio e fósforo, redução da DBO e maior capacidade de autodepuração. “O rio está mostrando fôlego em trechos a jusante, recuperando oxigênio e criando condições para a vida aquática”, explica a bióloga Patrícia Menegaz de Farias.

Peixes voltaram a aparecer. “Isso simboliza esperança, pertencimento e qualidade de vida para toda a comunidade”, afirma.

Desafios à universalização

A caminhada até 2042 ainda é complexa. Persistem os despejos clandestinos de esgoto, a poluição agrícola e a necessidade de recuperar a mata ciliar. Do lado institucional, a AGR busca consolidar sua atuação entre críticas e expectativas. Culturalmente, é preciso substituir a lógica do “asfalto primeiro” pela compreensão de que saneamento é saúde, dignidade e futuro.

O futuro que corre por baixo da cidade

O caso de Tubarão mostra que saneamento é a mais invisível das obras, mas também a mais transformadora. Ele cura doenças sem bisturi, salva rios sem alarde e devolve dignidade sem discursos.

Se o Rio da Madre já respira melhor, a expectativa é que a universalização transforme também o Rio Tubarão, símbolo da cidade. “Com a universalização, teremos águas mais limpas, maior biodiversidade e rios novamente como espaços de convivência”, projeta Patrícia.

Para Nilzo e milhares de moradores, o futuro já começou. O cheiro insuportável ficou para trás. O que agora corre sob as ruas é o fio invisível da dignidade.


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