Política
Clésio Salvaro não é o ‘primeiro preso político da história de Criciúma’
Operários, sindicalistas e políticos foram presos pela ditadura no município; advogada explica que prefeito não se enquadra no conceito
Desde que foi preso no começo de setembro, o prefeito Clésio Salvaro (PSD) vem sendo citado por Vaguinho (PSD) e Salésio Lima (PSD), candidatos a prefeito e vice de Criciúma, como o “primeiro preso político da história do município”. A tese vem sendo levantada pelo fato da prisão de Salvaro ter ocorrido de maneira preventiva e há poucos dias da eleição. Basta, no entanto, um olhar para os anos 60, 70 e todo o período da ditadura militar para confirmar que, apesar da defesa de seus sucessores, ele não seria o “primeiro preso político de Criciúma”.
Clésio Salvaro é um preso político?
Salvaro foi preso após desdobramentos da Operação Caronte, que investiga suposta organização criminosa atuante em fraudes licitatórias na prestação dos serviços funerários de Criciúma. A prisão do prefeito aconteceu de maneira preventiva, no dia 3 de setembro. Na última semana, a 5ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) avaliou o pedido de revogação da prisão por parte da defesa e, por 2 votos a 1, decidiu mantê-lo detido.
Os advogados do prefeito, agora, estudam outras maneiras para revogar a prisão preventiva. Uma das alternativas consideradas é a entrada com um pedido de habeas corpus no Supremo Tribunal de Justiça (STJ). Outra possibilidade, ainda que não tenha sido declarada pela defesa, é que Salvaro renuncie ao cargo no executivo e passe a responder em primeira instância.
Para Aline Marques, advogada e professora de Direito, Clésio Salvaro não pode ser considerado um preso político. Ela explica que a Constituição de 1988 demarcou o limite de atuação do poder que é dado ao Estado e garantiu um processo legítimo, com a oportunidade de igualdade entre acusação e defesa. Isso não significa que o Estado perdeu o direito de prender, mas que prisões apenas ocorram quando devidamente motivadas por provas e base jurídica, de forma a impedir que seja um instrumento usado para perseguição de pessoas.
“A prisão política ocorre por oposição ao papel político daquela pessoa, logo a prisão é estratégica para usar o poder do Estado e afastar essa pessoa. Ocorre que não é o caso apresentado. A decisão que mantém a prisão do prefeito Clésio Salvaro é sustentada por uma investigação e argumentos jurídicos. É crucial entender que, da leitura da decisão por manter a prisão, conclui-se que ele está preso pelo que foi encontrado de provas e sua interferência na investigação, não por quem ele é. Este é o ponto que rechaça a ideia de prisão política. E, apesar de preso, o processo está transcorrendo, inclusive na fase de ser apresentada a defesa e indicada as provas que sustentam sua tese. Defesa essa garantida pela Constituição de 1988 e que está sendo desenvolvida sem nenhum impedimento. Ainda sobre a prisão, existem argumentos para desfazê-la, o que, mais uma vez, é direito assegurado pelo Estado Democrático de Direitos assegurado pela constituinte”, declarou a advogada.
Os muitos presos políticos de Criciúma durante a ditadura
Estima-se que pelo menos 13 pessoas ligadas a Criciúma tenham sido presas apenas pela Operação Barriga Verde, principal intervenção militar em Santa Catarina durante a ditadura. Antes mesmo disso, há registros de políticos e trabalhadores, principalmente aqueles ligados ao Sindicato dos Mineiros, que foram presos e torturados pelo regime.
É o caso de João Mello que, em abril de 1964, dias após a deflagração do golpe militar, foi preso em Criciúma. O motivo, segundo seu filho, José Carlos Mello, era a sua ligação com o Sindicato dos Mineiros. O trabalhador não possuía nenhum cargo importante entre os sindicalistas, mas a sua participação nas reuniões da categoria teria sido o suficiente para justificar a prisão.
“Naquela época o Sindicato não era bem visto pelos militares. Eu tinha 7 anos quando ele foi preso. Estava vindo da escola e quando me aproximei de casa vi aquele grupo bem grande de militares na frente. Fiquei preocupado com o que estava acontecendo lá. Passei por um pelotão de militares, com armas, baionetas, em uma espécie de corredor polonês. Vi que eles prenderam e levaram o meu pai para o Plano do Carvão, que hoje é a Fundação Cultural”, relembra José Carlos, hoje com 67 anos.
João ficou preso por meses. Segundo seu filho, ele foi liberado em uma noite de inverno e caminhou a pé, na chuva, do centro da cidade até a Próspera. José diz que antes e depois disso, ele nunca se envolveu politicamente. Era um homem simples e não teria estudo para isso.
“Não sei se meu pai foi torturado fisicamente. Mas, mentalmente, com certeza. Claro que alguém que é tirado de seu lar e levado preso sofre tortura mental. Provavelmente queriam informações dele, e ele não as tinha. Provavelmente tenha sofrido torturas, mas não tenho nem como confirmar”, afirmou.
Em Criciúma, nos primeiros dias de abril de 1964, também foi preso o então deputado estadual Addo Vânio Faraco. O político era uma das principais lideranças catarinenses do PTB, partido que viria a ser extinto em 1965 em um dos atos institucionais da ditadura, e considerado assessor de João Goulart, presidente brasileiro deposto no golpe, para assuntos do sul do país.
Addo havia estado com João Goulart em Brasília dois ou três dias antes da deflagração do golpe. Tão logo foi deposto pelos militares, ocorreu a prisão do catarinense. Sua filha, a ex-deputada Ada de Lucca, tinha 14 anos na época do acontecido – e lembra perfeitamente do momento em que a prisão aconteceu.
“Eles bateram lá em casa, com dois ônibus, dois jipes e uma picape. Eram cerca de 40 ou 50 homens do exército. Meu pai foi atender e eles disseram que tinham uma ordem de prisão. Quando perguntou ‘por que?’, eles disseram: ‘o governo mudou’. Meu pai disse que ‘ia ali e já voltava’. Mas esse ‘vou ali e já volto’ durou 8 meses”, declarou Ada.
Addo ficou oito meses preso. Destes, quatro foram no prédio onde atualmente fica a Fundação Cultural de Criciúma. “Lá ele ficou incomunicável, no escuro, sem nem ver a luz do sol”, disse Ada. Depois, foi enviado para Curitiba, onde ficou mais quatro meses. Quando retornou para casa, chorou “como nunca”, segundo sua filha. Depois disso, demorou mais de uma década para voltar a se envolver politicamente.
‘Saíram de suas casas e foram levados para porões de quartel’, diz professor de história
João Mello e Addo Vânio Faraco foram “apenas” dois dos presos políticos pela ditadura militar em Criciúma. O professor de história Walbert Gomes Pinheiro afirma que a passagem do regime pela Região Carbonífera foi “muito violenta”, sobretudo pela força de movimentos políticos e sindicais – alvos de perseguição dos militares na época.
De acordo com o professor, existiram movimentos de resistência à ditadura na região de Criciúma, como resultado de uma frente ampla de oposição ao regime que se desenvolvia em nível nacional. No entanto, mesmo pessoas que não participaram dessa movimentação acabaram presas durante o período. Segundo ele, foi a partir do AI-5, ato que tirou direitos políticos e individuais, que efetivamente começou a perseguição a membros sindicais e políticos na região.
“Jorge Feliciano era presidente do Sindicato dos Mineiros e foi preso. Francisco José Pereira, advogado do Sindicato, também. O seu Addo Vânio Faraco, foi perseguido por estar ligado ao PTB. O doutor Manife Zacarias também, por estar ligado a movimentos sociais e dos mineiros. Amadeu da Luz, militante do Partido Comunista Brasileiro, também foi preso. Bem como o deputado Manoel Dias, a professora Dirlei de Lucca e a Marlene Soccas. Operários ligados a qualquer tipo de movimento, ou que mostravam resistência à ditadura, como Manoel Ribeiro, Raimundo Verdieri, Nero Fernandes e Rubens Garcia, também foram perseguidos e presos. Reafirmo, essa ditadura foi um movimento de perseguição política a membros ideologicamente ligados a movimentos contra a ditadura, que sofreram perseguições e torturas. Saíram de suas casas e foram parar em um portão de um quartel”, afirmou.