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Pesquisa da UFSC estuda presença de cães nas praias

Saúde
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Saúde

Pesquisa da UFSC estuda presença de cães nas praias

Riscos foram analisados, além de diretrizes para regulamentação

Pesquisa desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Agroecossistemas da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) avalia os diversos impactos da presença de cães nas praias.

O estudo realizado pela médica veterinária Carla Roberta Seára Willemann traz contribuições para a discussão sobre a regulamentação de pets nas praias de Florianópolis, com análises dos riscos para a saúde humana, animal e ambiental, bem como de experiências de praias pet friendly pelo mundo. Aponta, ainda, medidas fundamentais para que se possa liberar a presença de cães de maneira segura, como investimento em saneamento básico e controle de animais errantes.

Apesar da proibição, determinada pela Lei Complementar Municipal nº 94/2001 e pela Lei Complementar CMF nº 60/2003, que altera a Lei Municipal nº 1224/1974, é bastante comum encontrar cães, sozinhos ou acompanhados de seus tutores, nas praias de Florianópolis. O assunto envolve questões sociais, culturais, econômicas, ambientais e de saúde, e a polêmica em torno do tema não é nova. Desde 2018, foram apresentados pelo menos quatro projetos de lei buscando revogar a proibição de cachorros nas praias do município. Atualmente, está em tramitação na Câmara de Vereadores o Projeto de Lei Complementar nº 1956/2024, que pode permitir a presença de cachorros em praias de Florianópolis, desde que vacinados e devidamente acompanhados por seus tutores.

“De um lado, existe uma demanda crescente por espaços públicos onde os tutores possam desfrutar momentos de lazer com seus cães. De outro, há um cenário sanitário que já apresenta riscos, como a presença de parasitas zoonóticos em fezes de cães em praias, evidenciada em estudos anteriores. Com o adensamento populacional na região da Grande Florianópolis e o consequente aumento do número de animais de estimação, esses desafios tendem a se intensificar”, comenta Carla, que realizou a pesquisa para sua dissertação de mestrado, sob orientação das professoras Patrizia Ana Bricarello e Maria José Hötzel.

Em seu trabalho, a pesquisadora buscou uma visão integrada e interdisciplinar, que colabore para ampliar uma discussão que, segundo ela, é importante e necessária, mas que ainda carece de maior aprofundamento e embasamento técnico. Por isso, Carla desenvolve uma abordagem sob a perspectiva de Uma Só Saúde, conceito que reconhece a conexão entre a saúde humana, animal e ambiental como interdependentes.

O estudo contou com diversas etapas. A veterinária visitou algumas praias da capital catarinense para verificar in loco a presença de cães e a infraestrutura disponível e investigou, por meio de uma pesquisa bibliográfica, ocorrências de parasitas presentes em fezes de cães em praias e locais públicos e outros riscos associados, como a predação da fauna e incidentes de ataques. Além disso, analisou normas que visam regulamentar praias pet friendly pelo mundo e as manifestações de frequentadores desses espaços nas avaliações do Google Maps, visando identificar boas práticas e compreender expectativas, experiências e percepções dos usuários.

Riscos à saúde e ao meio ambiente

Segundo Carla, um dos principais problemas associados à presença de cães nas praias é a contaminação do ambiente com fezes contendo parasitas. “No Brasil, os índices de infecção parasitária em cães são bastante elevados, e a areia da praia oferece condições favoráveis para a sobrevivência e proliferação desses agentes — devido à sua permeabilidade, calor e umidade.”

Por meio da revisão bibliográfica de estudos que analisaram fezes de cães, as pesquisadoras identificaram 27 parasitas diferentes. Um dos mais frequentes é oAncylostomaspp., causador do “bicho geográfico” — uma infecção comum entre frequentadores de praias. “A busca pelo termo ‘bicho geográfico’ nos mecanismos de busca do Google, por exemplo, aumenta em mais de 85% nos meses de verão na região de Florianópolis, o que pode indicar a existência de um problema sanitário subnotificado pelos sistemas oficiais de vigilância. Além disso, outras doenças menos conhecidas, como a Larva Migrans Visceral, causada peloToxocaraspp., podem provocar manifestações clínicas graves anos após a infecção inicial”, alerta Carla.

O destino das fezes animais, aliás, é um assunto que precisa ser discutido com seriedade. “O que mais me surpreendeu ao longo da pesquisa foi refletir sobre o volume de fezes caninas geradas diariamente. Com base no número de cães no Brasil, estima-se que sejam produzidos mais de 2 milhões de quilos de fezes por dia — o equivalente a cerca de 100 carretas diárias. É impressionante pensar que, mesmo em países com infraestrutura de saneamento avançada, como os Estados Unidos, há relatos na imprensa local sobre a necessidade de uso de retroescavadeiras para remoção de acúmulos de fezes caninas que se sedimentaram na areia em praiadog friendly”,afirma a pesquisadora.

“Para onde estão indo as fezes de cães? Estão sendo encaminhadas ao sistema de tratamento sanitário? Estão sendo lixiviadas das calçadas até córregos, rios e mar? E quando recolhidas, estão sendo descartadas corretamente ou acabam em sacolas plásticas no lixo comum, contaminando outros resíduos ou sendo levadas a aterros sanitários, onde há risco de contaminação do solo? As pessoas têm consciência que ovos de parasitas zoonóticos deixados nos quintais podem permanecer viáveis no solo por anos?”, questiona.

Ela destaca ainda que o uso indiscriminado de vermífugos, muitas vezes sem orientação veterinária adequada, leva ao desenvolvimento de resistência parasitária e à contaminação ambiental por resíduos de medicamentos. “Esses problemas podem ser ainda mais agravantes em ecossistemas sensíveis como o insular de Florianópolis.”

Além das questões sanitárias, é importante lembrar que os cães soltos também podem representar riscos de ataques a pessoas ou outros animais e causar danos à flora e à fauna local. A natureza predatória e exploratória dos cachorros pode levá-los a perseguir e até mesmo matar animais como aves e tartarugas, e ainda há o perigo de disseminação de doenças a animais selvagens.

Condições e diretrizes para a liberação

Com base nas análises dos riscos, de normas regulamentadoras e de experiências de praiaspet friendly pelo mundo, Carla elencou algumas condições mínimas que devem sustentar uma eventual regulamentação de praias que permitam cães em Florianópolis. “É fundamental reconhecer que o saneamento básico e o controle de animais errantes são fatores condicionantes para a permissão de cães em praias. Até que se atinja um nível satisfatório nestes aspectos, a circulação de pets em praias pode trazer mais desvantagens do que benefícios, tanto para as pessoas quanto para os próprios animais.”

Além desses dois aspectos indispensáveis, a permissão da presença de cães em praias, de forma segura e responsável, também requer o cumprimento de uma série de medidas, como a identificação dos animais, a apresentação de atestados de saúde atualizados, o uso obrigatório de coleira durante a circulação, a delimitação de áreas cercadas para permanência dos cães e a disponibilização de lixeiras apropriadas para o descarte de fezes, com sistema que previna vazamentos, proliferação de insetos e mau odor. É importante, também, o monitoramento regular das condições sanitárias da areia, com plano de contingência conforme os resultados, campanhas educativas contínuas e fiscalização eficiente para assegurar o cumprimento das normas.

“No caso específico de Florianópolis, o estudo evidenciou que tanto a proibição sem fiscalização quanto a liberação de cães nas praias sem critérios claros de mitigação podem trazer prejuízos à saúde pública, animal e ambiental. A presença de cães nas praias é uma realidade, e os riscos associados — como a contaminação do solo com fezes potencialmente infectadas e urina, ataques a pessoas ou outros animais e predação da fauna — são agravados pela ausência de infraestrutura sanitária e de controle efetivo”, enfatiza Carla.

Enquanto as condições listadas no estudo não forem atendidas, a pesquisadora aponta que a liberação pode ser mais prejudicial do que benéfica. “A abordagem mais prudente, portanto, seria a proibição efetiva com fiscalização, paralelamente à criação de espaços urbanos com infraestrutura apropriada e seguros para a interação entre pessoas e seus cães — em locais com menor complexidade ecológica e de uso — considerando que, nas praias, o contato com o solo é mais direto, e há manipulação e consumo frequente de alimentos no local”, ressalta a veterinária.

 

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