Criciúma
Desmatamento no Morro Cechinel ameaça fauna local e gera protestos
Apesar das recomendações dos especialistas, o Conselho de Desenvolvimento Municipal (CDM) não acatou a sugestão de ampliação da APA
Moradores do bairro Mina Brasil, em Criciúma, estão mobilizados para barrar o avanço de um grande empreendimento imobiliário, o loteamento “Mirante Verde”, cuja construção requer o desmatamento de uma área de mais de 70.000 m². A área em questão é adjacente à Área de Proteção Ambiental (APA) do Morro Cechinel, um dos ecossistemas mais ricos e sensíveis da região, sendo vital para a fauna local e considerado um corredor ecológico importante para a mobilidade dos animais da APA.
Segundo Flaviane Vicente de Souza, moradora da região e integrante do movimento “Salve o Morro Cechinel”, o desmatamento já começou, e com ele, o impacto direto sobre a fauna local. “Os animais estão assustados com a derrubada das árvores e se abrigando nas residências próximas. Não houve sequer o afugentamento da fauna, como estava previsto na licença”, afirma a moradora.
Estudo da Unesc reforça necessidade de ampliação da APA
Um estudo realizado pela Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC) em 2019, o “Plano de Manejo da APA do Morro Cechinel”, recomendou a expansão da área de proteção para incluir a área agora em construção. A pesquisa destaca a importância dessa zona como um corredor ecológico, vital para a distribuição de espécies que habitam o Morro Cechinel, além de abrigar fontes de água e biodiversidade.
Apesar das recomendações dos especialistas, o Conselho de Desenvolvimento Municipal (CDM) não acatou a sugestão de ampliação da APA, e o loteamento da Construtora Fontana obteve licença ambiental para supressão da vegetação. “Mesmo sem ser uma área formalmente protegida, ela é crucial para a circulação e sobrevivência de espécies que habitam a APA”, diz Flaviane.
O estudo da Unesc identifica a presença de 47 espécies de répteis, incluindo duas ameaçadas de extinção, como a muçurana-grande e a cobra-d’água. Na avifauna, há 88 espécies catalogadas, duas delas quase ameaçadas, e entre os mamíferos, uma das espécies em risco é o bugio-ruivo, uma das mais ameaçadas do mundo. Além disso, o estudo afirma que a floresta em torno da APA é crítica para a conservação desses animais, funcionando como corredor natural para espécies de baixa mobilidade.
Mudança de zoneamento e falta de consulta pública
Outro ponto de preocupação dos moradores é a permissão de construção dentro dos limites da própria APA. De acordo com a legislação municipal, os empreendedores podem solicitar uma “correção” do zoneamento da área, passando de Zona de Conservação da Biodiversidade (ZCB) para Zona de Ocupação Extensiva (ZOE), o que permite a construção de edificações de até dois pavimentos. Um dos empreendimentos que utilizou essa brecha é o “City View Eco Residence”, da Protol Engenharia, que também impacta diretamente a área de preservação.
“A lei que criou a APA permite essa troca de zoneamento, mas exige uma audiência pública com a comunidade, o que não aconteceu”, destaca Flaviane. Segundo ela, essa prática gera um “retrocesso ambiental”, uma vez que áreas de proteção podem ser fragmentadas para construções privadas sem um diálogo com a população.
Reivindicações dos Moradores
Diante da situação, os moradores de Mina Brasil e o movimento “Salve o Morro Cechinel” fizeram uma série de reivindicações. Em relação ao empreendimento em andamento, eles interromperam a suspensão das obras devido à ausência de um estudo de impacto de ambiente, bem como pelos problemas relatados pelos moradores, como a morte de animais e soterramento de nascentes. Quanto aos projetos futuros, eles pedem a revogação das leis que permitem o ajuste de zoneamento dentro da APA sem consulta pública e solicitam que as sugestões de proteção ambiental, indicadas no estudo da UNESC, sejam solicitadas pelo município.
Para Flaviane e os outros moradores, a preservação do Morro Cechinel é essencial não apenas para a biodiversidade, mas também para a segurança e qualidade de vida da população. “Estamos falando de um patrimônio natural que pertence a toda a comunidade. Queremos que as autoridades valorizem o estudo dos especialistas e levem em consideração o impacto de longo prazo dessas construções para o meio ambiente e para os cidadãos”, finaliza a moradora.